O texto que segue em baixo não é meu. É de um amigo. Concordo e subscrevo por baixo.
É tempo de acabar com as ilusões
Leio no jornal que a “associação cultural e artística Elucid’Arte” se encontra a promover um concurso de fotografia sob o tema “Avenida Luísa Todi – Patrimónios Material e Imaterial”, com o apoio da Setúbal Polis e da Câmara Municipal de Setúbal.
Fora o caso, já de si complicado, de se perceber o que se poderá considerar de património imaterial, e de que modo este se habilitará a ser fotografado, uma pergunta, dada a notícia, surgiu naturalmente na mente da senhora que, com simpatia, me serve o café pela hora de almoço: o que será suposto os candidatos do concurso fotografarem? Os buracos das obras ou os parques de estacionamento da zona dos bares? A pergunta é pertinente. E é pertinente porque, na sua “multiplicidade e transversalidade”, como dizem os senhores da Elucid’Arte, na Avenida Luísa Todi, pouco mais que isso resta para ver. E, por consequência, fotografar. O património a que se referem, meus amigos, já foi vandalizado sob a batuta do Programa Polis, num acto de pura intenção criminosa. E igualmente com o apoio da Câmara Municipal. A proposta desta “associação cultural e artística” não podia ser mais ridícula.
Mas, por falar em coisas ridículas, tomei também conhecimento que a Associação dos Comerciantes foi recebida, há alguns dias, no gabinete da Dra. Dores Meira. Finalidade? Reivindicar o fim das obras Polis na Avenida e perguntar que é feito dos locais de estacionamento da mesma. Porque, a dita Associação, deu-se agora conta que os lugares de estacionamento na zona mais próxima à baixa desapareceram, para nunca mais serem vistos. Caso que será problemático para a sobrevivência do próprio comércio. Estas conclusões sábias são, no entanto, pouco inovadoras. Era conhecido há meses que o estacionamento da zona iria desaparecer. Como será possível que estes senhores não se tenham apercebido antes do facto?
É necessário compreender uma coisa: a baixa setubalense está morta. Falta apenas declarar oficialmente o óbito e proceder ao digno velório da coisa. Óbvio que a Associação de comerciantes persiste em ignorar o facto, preferindo imaginar, num misto de pensamento feliz e de simples ilusão, que um vasto, mas simplório, conjunto de luzes natalícias servirá para ressuscitar o bicho (outra das reivindicações da Associação à Câmara Municipal). Não chega. Nem, tão pouco, uma dúzia de lugares de estacionamento chegará. Tais receitas poderão servir para manter a baixa no estado comatoso actual, mas devolver-lhe a saúde perdida, não. Como chegámos aqui?
Já o disse várias vezes. Setúbal, urbanisticamente, é montada em cima do joelho por criaturas analfabetas no seu ofício. E este programa Polis é apenas a consequência dramática da aplicação em grande escala (porque existe, ou existia, muito dinheiro para esbanjar) deste nível de actuação.
Estranhamente, sobre este assunto, o vereador Paulo Calado do PSD, num estilo muito pouco habitual, disse uma coisa que vale a pena reter: os comerciantes acordaram tarde para o problema. Verdade. A maioria, sim. E a Associação dos Comerciantes, parece, ainda nem sequer acordou para o que realmente se está a passar. Mas uma pequena minoria de comerciantes desde o início que entendeu a complexidade da tragédia, e cedo começou a exigir responsabilidades. O executivo camarário respondeu a essas vozes, como tem por hábito o fazer: fechando-se numa obstinação acéfala, ora ignorando, ora intimidando, quem não se deixa deslumbrar por pechisbeques e promessas baratas. Porque, se algum comerciante se queixa, é intriguista; se um qualquer cidadão demonstra desagrado, é porque não percebe a grandeza do que está a ser feito; se um humilde cronista bate as teclas em profundo e irremediável desacordo, é ignorante.
Para a Avenida Luísa Todi já é tarde. A completa destruição do espaço em pouco tempo estará completa. Agora resta apenas tirar as devidas lições do sucedido. É tempo de acabar com as ilusões.
Tiago Apolinário Baltazar
Jornal de Setúbal, 10/11/2008