O amor é fodido. Escreveu Miguel Esteves Cardoso. Mas não. Fodido é não amar. Claro que se sofre quando se ama. Vive-se, por vezes, com a alma na boca, como um vómito que insiste em azedar-nos a boca. Mas não. Realmente fodido é não amarmos.
Claro que, quando amamos, há uma tranferência de preocupação para outra pessoa e isso angustia-nos. Como bichos egoístas que somos estamos habituados a preocuparmo-nos apenas connosco. Dá-nos suores frios umas vezes e risos descontrolados noutras. Mas não. Realmente fodido é não amarmos.
E há que esclarecer desde logo: amar não é estar apaixonado. Amor não é paixão. Por muito que as coisas possam estar ligadas, não são a mesma coisa.
Paixão mata-nos por dentro, consome-nos. Embrutece-nos. Somos uns tontos, uns fantoches da paixão que vive em nós. Alias, é ela que vive, porque nós morremos às suas mãos cadavéricas. É uma violência.
O amor não. É a calma depois da tempestade. É a onda leve, certa e perfeita que dá à costa. É a imensidão de nós próprios revistos no outro. É racional. Por mais que custe aos puristas da coisa, aos poetas, aos loucos e aos imbecis, é racional. É incompreensível porquê aquele outro. Mas percebemos que é amor e aproveitamos ao máximo o que isso nos dá, oferece e nos gratifica. Sem nada pedir em troca. Sem exigir a nossa vida, os nossos dias.
Por isso, fodido é não amar. Quem não ama não sente. E quem não sente não vive. Já a paixão é morte. A nossa e a de quem nos rodeia. É a obsessão. E esta é intransigente. Rói-nos a vida ao bater de cada dia, rindo-se descaradamente da nossa cara.